sábado, 5 de novembro de 2016

Como a esclerose múltipla entrou na minha vida – segunda parte

O dr. Chico Louco havia pedido uma ressonância magnética de emergência porque suspeitava que minha dor de cabeça e as manchas que apareceram na tomografia do crânio indicassem tumores. Fui sozinha fazer a ressonância e também sozinha fui buscar o resultado.

Abri o exame no laboratório mesmo e vi escrito “lesões desmielinizantes sugestivas de esclerose múltipla”. Não eram tumores. Mas poderia ser esclerose múltipla. Isso era bom? Quer dizer, seria melhor se fossem tumores?

As referências que eu tinha de EM era de uma paciente na época em que eu estudava enfermagem. Ela devia estar em surto e não tinha movimentos nem de pernas nem de braços. Tive também um professor na PUC, quando estudava filosofia, que tinha EM. Ele era cadeirante, não falava muito sobre a doença, tomava café e fumava como se não houvesse amanhã.

Cadeira de rodas. Falta de movimentos. Era isso que significava EM? Eu estava completamente confusa. Procurei a definição no celular e vi: ”doença neurológica autoimune degenerativa, causa de deficiência mais comum em jovens adultos”. Não, eu não tinha isso! Eu andava, me movia. Disse para o dr. Chico Louco que eu não tinha sintomas de EM (na verdade eu tinha vários, mas não os reconhecia como sintomas). Disse para ele: “Eu estava lá na sala de espera fazendo crochê! Eu não tenho sintomas!”.

O médico pediu vários outros exames que confirmaram a EM, mas não soube me explicar porque eu não tinha sintomas*. Disse apenas que dava para viver com isso, que o tratamento era muito caro e que não queríamos causar esse gasto ao SUS.

***

Eu estava lá na sala de espera fazendo crochê! Eu tenho mais medo de perder o movimento dos braços do que da cadeira de rodas! Meu primeiro surto, na verdade o único que foi bem característico de um surto de EM, embora não tivesse sido diagnosticado na época, foi exatamente uma fraqueza muscular no braço esquerdo, que me deixou uma sequela.

“Eu estava lá na sala de espera fazendo crochê!” foi a negação de uma doença. Eu estava me movendo, por isso não tinha EM!

A aceitação veio aos poucos, quando eu passei a conhecer a EM e percebi que vários males com os quais eu vinha lidando durante muito tempo tinham uma causa e um nome. É mais fácil enfrentar aquilo que se conhece.

***

Quanto ao crochê, eu continuo fazendo, agora como uma afirmação: eu posso mover meus braços!


* A minha EM é do tipo surto-remissão. A maioria dos meus surtos passaram despercebidos ou mascarados por crises de depressão que os acompanharam. Eu tinha sequelas desses surtos e vim a saber disso quando fui atendida no HC de Ribeirão Preto. Quando eu fiz a ressonância, estava na fase de remissão, ou seja, sem atividade da doença.

Nenhum comentário:

Postar um comentário