Esse é o assunto mais difícil para falar sobre minha relação com a EM. É
o que me assusta mais, meu maior fantasma, muito maior do que a cadeira de
rodas: o déficit cognitivo.
As alterações cognitivas da EM envolvem alteração de memória, dificuldade
com organização e planejamento, lentidão do pensamento e dificuldade de manter
atenção. Coloco abaixo um artigo do dr. Guilherme Olival sobre o assunto.
Talvez eu não devesse expor um tema tão delicado, já que esse é o
sintoma menos perceptível da EM, mas é o mais doloroso para mim, causa de meu
isolamento social e provavelmente será o motivo de minha aposentadoria precoce.
Como diz a blogueira Bruna Rocha (http://esclerosemultiplaeeu.blogspot.com.br/),
dor compartilhada é dor diminuída.
Há tempo eu percebo que minha memória vai mal. Antes do diagnóstico, eu
achava que isso era causado pelo antidepressivo. Também notava, desde o
primeiro surto, uma dificuldade na atenção. Esses sintomas foram piorando e
junto com eles uma lentidão no pensamento e nos reflexos e alguns problemas de
linguagem – do tipo não conseguir formular bem os argumentos.
O que está acontecendo ultimamente é que dar aulas está muito difícil. Mesmo
com as estratégias que eu uso – escrever as aulas, me manter descansada no dia
de dar aula – eu faço tanto esforço para me lembrar dos conteúdos e para
articular os pensamentos, que na metade da aula estou exausta (depois escrevo
mais sobre o trabalho).
As dificuldades cognitivas se misturam com a fadiga e há momentos em que
minha cabeça deixa de funcionar. Se eu me esforço muito, dá um branco e a fadiga
é tão intensa que eu não consigo conversar e fico cambaleando.
Resolvi fazer uma avaliação neuropsicológica para ter uma medida objetiva
de meu problema. Isso poderá me servir caso eu resolva me aposentar, mas
servirá também para tornar “real” o que é subjetivo. Essa objetividade faz uma
diferença psicológica enorme para quem lida com uma doença invisível. Por
piores que possam ser os resultados, eles estão aí, eu os sinto diariamente.
Ver a cara do monstro é melhor para pensar em como enfrentá-lo do que negar sua
existência.
Não terminei ainda de fazer a avaliação e tenho a dizer que é muito
difícil se deparar com os piores sintomas assim, “de baciada”. A psicóloga que faz os testes é muito gentil e
respeita os limites de minha fadiga, mas há vezes em que saio de lá meio atordoada
por perceber esses sintomas. Tento respirar fundo e penso: “eu conheço esses
sintomas, mantenho meu cérebro em atividade, não vou me deixar deprimir por
isso...”.
Se eu pudesse falar com o demônio que inventou essa doença, pediria: “mande
a cadeira de rodas, mas devolva meu cérebro!”. Mas não há essa barganha. Os
sintomas vão progredindo juntos.
Saio do meu teste neuropsicológico, venho para casa, tomo um café, dou
frutas para os pássaros do bosque e mando um what’s app para meu psicólogo: “hoje
foi difícil!”. Choro um pouco e recomeço. Devagar e sempre!
O dr. Guilherme
Olival publicou esse artigo no seu site (http://www.esclerosemultipla.med.br/a-esclerose-multipla-vai-afetar-a-minha-inteligencia/):
A RELAÇÃO ENTRE A ESCLEROSE MÚLTIPLA E SUA INTELIGÊNCIA
Hoje um paciente meu se deparou com sua avaliação neuropsicológica. Essa
avaliação neuropsicológica, para quem não conhece, avalia a forma como a
Esclerose Múltipla pode afetar a inteligência, separada por cada uma de suas
esferas: como atenção, memória, velocidade, etc. Sempre que um paciente realiza
um teste sobre a própria inteligência, isso gera muita ansiedade sobre o
resultado.
Se o paciente com esclerose múltipla tem um fantasma que o assombra, ele
é a cadeira de rodas. Quando o médico pede um teste sobre a inteligência, é
como se o paciente se deparasse com um novo inimigo, que ainda era desconhecido
para ele. Um inimigo terrível!
E por quê é necessário realizar uma avaliação neuropsicológica? A
esclerose múltipla afeta a inteligência? A memória? Causa demência?
Em primeiro lugar ela não causa demência! Mas a esclerose
múltipla pode sim afetar a inteligência ou cognição, que é o termo técnico para
se referir.
Em 1991, o Dr. Stephen Rao, da Universidade de Wisconsin publicou uma pesquisa no revista
“Neurology” que mostrou taxas
de 43% de alteração em avaliação neuropsicológica. A comunidade científica ficou
em alvoroço com essa pesquisa, pois são taxas altíssimas, e foram feitas
diversas críticas que culminaram com a formação de um grupo internacional com o
objetivo de pesquisar as alterações na inteligência / cognição dos pacientes
com esclerose múltipla. O estudo chamado COGIMUS (Cognitive
Impairment in Multiple Sclerosis) contou com os principais centros e
realizou uma publicação na revista Multiple
Sclerosis que mostrou 20% de pacientes com alteração nos testes
neuropsicológicos e correlacionou as alterações com o volume de lesões
intracranianas pela Ressonância Magnética e escalas clínicas como o EDSS.
Ainda existem críticas a essa pesquisa pois além das lesões
intracranianas outras coisas como depressão podem influenciar o desempenho na
avaliação neuropsicológica. Além disso, é muito importante diferenciar um
desempenho ruim nos testes de avaliação neuropsicológicos de comprometimento na
vida do paciente decorrente disso. Esses estudos avaliaram testes apenas, e não
desempenho no dia-a-dia!
As principais alterações decorrentes são:
- Alteração de memória;
- Dificuldade com organização e planejamento;
- Lentificação do pensamento;
- Dificuldade de manter atenção quando
utilizadas técnicas de distração.
É como se o cérebro do paciente fosse um arquivo desorganizado. A
informação está lá e ele encontra, mas de forma muito mais lenta.
Essas alterações, mesmo quando presentes, nem sempre trazem prejuízo
para as atividades e desempenho profissional do paciente. O paciente que
comentei no começo tem uma alteração na avaliação neuropsicológica compatível
com o que comentamos, mas mantém um excelente desempenho no dia-a-dia e é
inclusive um membro iminente da sociedade e em sua profissão!
Na nova era com medicações de alta potência ainda estamos por ver o que acontecerá depois de 10 anos com a doença melhor controlada. De acordo com os estudos do COGIMUS podemos inferir que quanto melhor controlada a doença, maior as chances de manter intactas as funções mentais.
Na nova era com medicações de alta potência ainda estamos por ver o que acontecerá depois de 10 anos com a doença melhor controlada. De acordo com os estudos do COGIMUS podemos inferir que quanto melhor controlada a doença, maior as chances de manter intactas as funções mentais.
Além disso existem vários tratamentos que podem ser feitos nos casos de
alteração da inteligência/ cognição para os pacientes com alterações. Os
principais são com Amantadina, Modafilina, Metilfenidato, Donepezila e
Rivastigmina, além da chamada reabilitação cognitiva, que são técnicas
semelhantes a “fisioterapia para mente”.
Enfim, se existir alguma suspeita de alteração da inteligência/cognição,
converse com seu neurologista.
Eu vejo excelentes perspectivas para o futuro!
Até breve.
Fontes:
É preciso mesmo divulgar, Eliane. O problema fica invisível para quem está do outro lado, e isso se torna um problema adicional para você. Acima de tudo, acho que este espaço pode, aos poucos, servir para refletirmos sobre ideias que a sociedade de consumo prefere ignorar: fragilidade, doença e morte. Não é a sua condição. É a de todos nós. Beijão!
ResponderExcluirJoão, eu pensei em trabalhar essa questão da vulnerabilidade, mas fiquei sem ânimo, não emocionalmente, mas porque a fadiga é uma barreira enorme para qualquer trabalho. A sua ideia de refletir sobre isso aqui é muito boa. Obrigada pela força!
ExcluirLia,como sempre não sei o que dizer, falar e escrever ante sua situação. A vontade é a de ter a capacidade de acabar com ela e devolver-lhe aquilo que você mais deseja. Esse confronto com essa impotência, com essa inflexibilidade e fatalidade da vida é o que tem provocado esse distanciamento a que condenei em relação a você. Fico pensando no que poderia fazer ou oferecer, além da minha dor e angustia por tudo quanto você está passando e passará. E por mais que eu pense sinto que nada posso fazer. O que sinto é a mesma impotência, aquele vazio inominável que tomou conta de mim ao ver o corpo de minha querida irmã sem vida.Sentia dor, muita dor uma dor que de tão forte, não doía mais - anestesiava e paralisava. Não sei o quê dizer, falar ou fazer e é esse buquê de tristeza que eu tenho pra te mostrar, porque tenho vergonha de te oferecer. Não sei e nem quero imaginar o que poderá acontecer com você, não quero pensar que mais uma vez terei que passar pela dor de uma partida de alguém querido. É nisso que eu penso quando leio seus relatos, não consigo pensar em outra coisa. Um grande abraço do Cacá.
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