sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Fadiga

Fadiga é o tema que está presente em quase todos os blogs de esclerose múltipla. Diz a literatura que cerca de oito em cada 10 pessoas com esclerose múltipla se sentem sempre muito cansadas.


Eu não pretendo falar de pesquisas sobre fadiga nem dar informações médicas muito aprofundadas. Na verdade, a medicina não sabe muito sobre isso. Quero falar da minha fadiga, para que as pessoas próximas a mim saibam do que eu estou falando quando digo que estou fatigada.

Fico bem chateada quando falo do meu cansaço e ouço “eu também estou cansado”, como uma expressão de desprezo pelo meu sintoma ou desconhecimento do que se trata. Todo mundo fica cansado, mas há uma diferença entre o cansaço de alguém com EM e o cansaço de uma pessoa saudável. A fadiga da EM geralmente não está associada com a quantidade de trabalho que se faz. Às vezes eu me sinto cansada mesmo depois de uma boa noite de sono. Faço um pequeno esforço e fico fatigada como se esse esforço tivesse sido muito maior e muito mais prolongado. Então, quando falo da fadiga, não estou falando do cansaço por ter trabalhado muito, por ter passado uma noite acordada ou por ter me exercitado demais. Estou falando de uma incapacidade.

Quem tem uma doença crônica luta com seus sintomas o tempo todo e não basta se esforçar mais para superá-los. Há uma diferença entre se esforçar e ultrapassar seus limites. Esforçar-se é bom e necessário, mas ultrapassar seus limites pode levar alguém com EM a precisar de um tempo maior ainda para se recuperar de ter se excedido. Quando eu levo a fadiga ao nível da exaustão, posso precisar de até uma semana para me recuperar.

Tenho fadiga quando eu cozinho, quando caminho, fadiga no pilates, fadiga ao acordar, fadiga no meio da manhã, à tarde, fadiga no trabalho, fadiga no passeio... Quando está calor, a fadiga é maior. Minha frase favorita para explicar isso é: você não sabe o que é a fadiga até que tenha que parar para descansar depois de tomar banho. Ou durante o banho.


Reconheço em mim três tipos de fadiga: 1. Fadiga generalizada, que aparece principalmente nos dias mais quentes e vem como uma falta de energia para realizar as atividades cotidianas e para o trabalho; 2. Fadiga muscular, que ocorre quando eu faço um esforço como caminhar mais do que 5 minutos ou cozinhar mais do que 15 minutos, e minha musculatura fica fraca; 3. Fadiga mental, que acontece com o uso mais intenso das funções cognitivas, como dar aula, escrever, ou uma conversa intelectual, e surge como um “branco” no pensamento.

Para conviver com a fadiga, tenho que planejar cuidadosamente cada atividade do dia para que possa economizar energia para fazer todas elas. Para cada atividade, tenho que perguntar “quanta energia isso vai gastar?”. Algumas adaptações são para a vida toda: não posso ficar muito tempo em pé; não posso andar muito; não posso me expor ao calor; preciso de períodos de descanso; não consigo fazer muitas coisas ao mesmo tempo e nem fazer coisas cansativas por um tempo prolongado... Providenciei a carteira de portador de EM pela Associação Brasileira de Esclerose Múltipla. Ela é útil para utilização de scooter motorizado em shopping centers e também pode me garantir prioridade em filas. Procuro me sentar sempre que eu posso. Procuro levar uma vida mais tranquila, em um ritmo mais lento. É importante dizer isso para as pessoas que convivem comigo e explicar para elas que eu tenho uma doença crônica que me limita, mas que não me impede de sair e me divertir.

Voltando ao cansaço das pessoas saudáveis, não quero menosprezá-lo. Apenas quero salientar que quando digo que estou fatigada, eu me refiro a uma fadiga incapacitante, que deve ser entendida como uma deficiência, não nos moldes da incapacidade motora, mas da falta de força.  

Assumo, então, que tenho uma deficiência. É uma deficiência invisível, mas muito cruel, já que afeta as atividades mais básicas do dia a dia.

Outro dia eu estava no PS conversando com um médico que tentava me convencer a fazer dieta anti-inflamatória e tomar alguns suplementos alimentares porque minha fadiga poderia ser hipotireoidismo. Agradeci a boa intenção. Eu faço tratamento em um centro de referência. Se houvesse algum medicamento ou dieta que pudesse ajudar, certamente eles recomendariam. 

Quando eu fui diagnosticada, foi um alívio saber que minha fadiga tinha uma causa, e que não era depressão. Acho que procurar alternativas para melhorar a fadiga é como negar um sintoma que está lá e para o qual não há remédio, porque ele é um signo da evolução da doença - uma doença crônica e progressiva. É melhor aprender a conviver com ela.










3 comentários:

  1. Centenas de visualizações e dezenas de compartilhamentos! Parece que muitos portadores de esclerose múltipla precisam se entender com sua fadiga e assumir publicamente que ela é uma deficiência.

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  2. Olá Eliane, eu cansei de tentar fazer as pessoas entenderem o que é a minha fadiga. Um professor meu (que é médico) queria me reprovar por achar que se tratava de preguiça...pq segundo ele "ninguém sente tanta fadiga assim". Muitos colegas de faculdade ( hoje médicos) diziam que eu usava a EM como muleta pois estava sempre cansada:física, emocional e cognitivamente...e ainda ficava deprimida pelos comentários e "conselhos" que as pessoas entendidas davam...eu só conseguia conversar mesmo com um colega que coincidentemente tinha fibromialgia e experimentava sensação semelhante e aturava comentários semelhantes...troca vamos receitas de medicamentos, fitoterápicos, chás estimulantes...tentamos quase de tudo...todas as variantes de ginseng ( indiano, chinês, coreano e por aí vai) e nada. Acho que a última cartada do meu colega era a melatonina...preciso perguntar para ele se deu certo. Mas enfim, acabei a faculdade e minha vida continua como sempre esteve: uns dias mais...uns dias menos produtivos...mas cada dia sendo aproveitado como posso!

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    1. Sempre tem alguém para duvidar ou para trazer soluções mágicas! Eu penso que essas pessoas fazem isso por medo da doença. É um jeito de mostrar que não é tudo isso que dizemos passar.
      Eu não tive muitos problemas no meu trabalho, mas mesmo assim desde o diagnóstico passei em perícia e trabalho em condições especiais. Vou fazer uma postagem sobre isso.
      Mas é isso. Cada dia é uma dia. Devagar e sempre.

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